Os desafios “pós pandemia” da educação superior na América Latina

Fonte da foto: Currículo Lattes

Por Thiago Henrique Almino Francisco

Desde antes da atual situação sanitária que percorre o Mundo, decorrente da pandemia do Covid-19, as discussões relacionadas a estrutura e o funcionamento das instituições de ensino superior, bem como das tendências para o seu desenvolvimento, já eram pautas prioritárias no território dos pesquisadores que são entusiastas do tema. Em virtude de todos os desdobramentos ocasionados desde o inicio da pandemia, tais discussões foram profundamente potencializadas com o objetivo de compreender os movimentos pelos quais os este segmento educacional deve passar. Independente do modelo; considerando a configuração que predomina no contexto latino americano e que se constrói em torno de um modelo essencialmente “não estatal”; as tendências para o setor são relacionadas àquelas que se alinham com o contexto socioeconômico, indicando a necessidade de uma nova configuração nos projetos de desenvolvimento destas instituições para torná-las cada vez mais relevantes.

No contexto latino americano os desafios parecem ser maiores. Do ponto de vista macroeconômico, fala-se de uma região com uma perspectiva de pouco crescimento populacional e econômico previsto para os próximos 10 anos e, em função do contexto de pandemia, de uma região que será impactada por um empobrecimento sistêmico da população e que vai restringir a mobilidade social de uma parcela considerável de pessoas. No Brasil, estima-se que em curso prazo cerca de 15 milhões de famílias migrem da classe “D” para a “E”, o que deve incluir em um contexto de pobreza cerca de 45 milhões de pessoas. Nesse sentido, emergem desafios bastante significativos para o ensino superior, mais especificamente para as instituições que, independente do seu modelo administrativo ou acadêmico, passarão por um momento de profunda reflexão sobre a sua estrutura para atender a alguns desafios, dentre os quais destaco:

  • Massificação da virtualização: Do ponto de vista dos modelos pedagógicos transformados pelo contexto da pandemia, o que se identifica é uma forte tendência de virtualização das atividades acadêmicas, orientadas pela flexibilização regulatória e pela autonomia institucional, requerendo fluência tecnológica e metodologias interativas que promovam a aprendizagem significativa;

  • Currículos relevantes: Muito mais do que “inovadores”, os currículos deverão ser relevantes já que deverão se orientar para a construção de um território que poderá ser ocupado pelo egresso no mundo do trabalho. Para além da formação técnica, os currículos deverão orientar uma formação cidadã, articulada com as competências requeridas para o profissional no século XXI, da 4ª Revolução industrial e em um contexto em que a recuperação econômica e social possivelmente serão os drivers estratégicos de qualquer política de governo. Os conceitos a respeito das “metodologias ativas” tornar-se-ão inócuos, já que a aprendizagem significativa deverá ser o principal elemento norteador do processo de ensino e aprendizagem;

  • Flexibilidade Pedagógica: A flexibilidade pedagógica torna-se um componente bastante substancial para minimizar a dicotomia entre as modalidades “presencial” e “educação a distância” (EAD). Em função do aumento na faixa etária e do perfil social e demográfico do público prioritário matriculado no ensino superior, a modalidade de ensino presencial vai precisar se adaptar a um novo público, mais exigente em função do conhecimento adquirido de maneira informal, e com pouca flexibilidade de agenda para as atividades presenciais. Mesmo com essas características, este público vai priorizar o ensino presencial em função dos potenciais de network e da interação proporcionada por este modelo pedagógico, mas a flexibilidade pedagógica será essencial e um grande diferencial competitivo dos modelos presenciais;

  • Financiamento: Em função da tendência de empobrecimento sistêmico da população, os modelos latino americanos de educação superior tendem a se inclinar cada vez mais para um modelo de elite, tal como indicam as configurações propostas por Martin Trow. Os impactos microeconômicos parecem ser severos e tem a tendência de tornar o acesso educacionais cada vez mais restrito as camadas mais sensíveis da população. O financiamento, tanto no segmento público quando no “não estatal”, torna-se condição essencial para o acesso e a permanência exitosa do estudante neste contexto educacional;

  • Acreditação e Avaliação da Qualidade: Em especial devido a cenários sociais complexos, vem a superfície a necessidade de aprimorar as parcerias com entidades estatais para o desenvolvimento de modelos de acreditação que permitam com que as instituições atuem com maior autonomia em períodos de excepcionalidade. As experiências internacionais tem demonstrado que os processos de acreditação tem tornado as instituições de ensino superior (universitárias ou não) cada vez mais relevantes do ponto de vista administrativo, acadêmico e pedagógico, preparando-as para desafios complexos e orientando-as cada vez mais para atender, com relevância, ao seu contexto social;

  • Governança Ágil: O mindset ágil deverá chegar às estruturas universitária, fazendo com que as instituições compreendam a necessidade do achatamento das hierarquias e da compreensão de novos conceitos atrelados a gestão. “Iteração”, “Co-criação”, “Growth”, “Agile” deverão ser conceitos inseridos no percurso da gestão universitária, substituindo a visão tradicional do planejamento estratégico pelo “Design estratégico de negócios”, reconfigurando as concepções institucionais e de governança para que as instituições tornem-se cada vez mais sustentáveis e alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda ONU 2030.

Existem muitos outros, mas os seis desafios citados neste texto são parte de um recorte onde outros desafios podem emergir ou se destacar. O fato é que o contexto da educação superior passa por um momento bastante simbólico de mudanças que certamente vai (re) direcionar o segmento em busca de novas estratégias e de um novo modelo de posicionamento, cujos resultados serão percebidos em um contexto de longo prazo.

*Thiago Henrique Almino Francisco: Pós-Doutor em Administração. Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento. Mestre em Administração Universitária. Coordenador Adjunto do curso de Administração da UNESC. Coordenador do Setor de Avaliação Institucional e da CPA – UNESC. Assessor Pedagógico da área das Ciências Sociais Aplicadas da UNESC. Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Administração Universitária. Membro do Rectoral Board

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